domingo, 10 de junho de 2018

Berlusconi e Bolsonaro, crias de operações midiático-judicais devastadoras para a Itália e o Brasil


Bolsonaro, o candidato sabonete
por Eduardo Borges
Com Lula ou sem Lula, o cenário que se descortina para as próximas eleições presidenciais é o da consolidação quase absoluta do personalismo na política brasileira. Resultado da crise institucional provocada pelos acontecimentos políticos dos últimos anos, o contexto do jogo político brasileiro atual é o do completo descaso com a Política.
Nunca foi e certamente nunca será benéfico para a democracia que uma parte consistente da população perca completamente sua crença na Política. As consequências, para a sociedade, de operações jurídico-policiais como a Lava Jato tendem naturalmente a saírem do controle. Por mais que tenha sido gestada com o discurso do combate à corrupção, portanto, supostamente voltada exclusivamente para questões de natureza jurídica e policial, operações como a Lava Jato não conseguem ficar imune ao jogo político.

Tendo como alvos principais os agentes públicos que gestaram e gestam cotidianamente e por longos anos a política brasileira, a Lava Jato seria naturalmente engolida pelas disputas de poder que constitui o jogo político brasileiro. Juízes e  promotores não são entidades abstratas com capacidade de pairar sobre as tensões que definem as relações sociais, econômicas e políticas do país. Eles são partes da sociedade, logo, dialogam e refletem com a cultura e as mentalidades dessa sociedade.
Por outro lado, as empresas de mídia, diante de sua histórica concentração oligárquica se posicionam como uma espécie de quarto poder e exercem com mão de ferro e extrema habilidade o controle da opinião publicada. Decidir sob qual ponto de vista uma grande parcela da população vai ler ou ouvir sobre determinado tema da vida nacional, entrega aos barões da mídia brasileira o poder de construir narrativas que caibam perfeitamente em seus interesses privados e de classe.
Nós últimos anos revistas semanais, telejornais e jornais diários, têm construídos uma narrativa da vida política nacional que contribuiu decisivamente para estabelecer no país uma sensação de vivermos nos equilibrando cotidianamente entre o caos e a barbárie. Desde a última campanha eleitoral - que dividiu o país em dois segmentos com possibilidade zero de estabelecer qualquer tipo de relação harmoniosa - até o pós-vitória de Dilma Rousseff e toda a incapacidade do candidato derrotado de assimilar a derrota, que o Brasil passou a ser bombardeado permanentemente por manchetes que se encadeadas resultariam em uma narrativa cujo final seria o próprio armagedon.
Longe de querer negar que nos últimos anos o Brasil tem vivenciado momentos difíceis no que diz respeito à gestão pública, definitivamente não foram suficientes para nos colocar entre o caos e a barbárie como quer nos fazer crer a chamada grande mídia nacional. Parte da crise nacional (também vivenciada por diversos países do mundo) foi inflada pelo ambiente belicista que se estabeleceu a partir da escancarada politização da operação Lava Jato. Exemplos explícitos de quebra da constitucionalidade foi implementado pela operação Lava Jato e com o beneplácito da grande mídia, dos grupos econômicos dominantes e por uma parcela da população (de maioria classe média) influenciada pelo discurso moralista de combate a corrupção.
É justamente nesse ambiente de “instabilidade” estrutural criado pelo “pacto” moralista, oportunista e seletivo que se estabeleceu entre imprensa, burguesia nacional, setores da classe média e operação Lava Jato, cujo desdobramento fez gerar o descrédito pelos políticos, pela política e pelas instituições, que se abre o caminho para o surgimento de personalidades com o discurso do “eu não sou político e não faço parte desse jogo”.
Assim como aconteceu na Itália, pós-operação Mãos Limpas, que viu surgir um político com os atributos condenáveis de um Silvio Berlusconi, o Brasil da Lava Jato, se não gerou vários Berlusconis, gerou o personalismo como centro do fazer político brasileiro. Para as próximas eleições presidenciais, esqueçam partidos, projetos e programas. Esqueçam debates conduzidos por argumentos minimamente racionais embasados em estratégias de médio e longo prazo para as resoluções dos problemas estruturais do país. O que teremos é uma plêiade de candidatos se pautando pelos atributos individuais respaldados em histórias pessoais e edificantes.
Até certo ponto podemos considerar que a culpa por tal comportamento não é exclusivamente do candidato, mas do ambiente hostil à política como espaço do debate e das resoluções dos problemas nacionais. Certamente que nem todos os candidatos se sentirão confortáveis com essa situação. Alguns até devem tentar colocar ideia e projetos como o centro da campanha, entretanto, entre os que até agora se apresentaram como presidenciáveis, o que melhor se enquadra no perfil personalista é o presidenciável Jair Bolsonaro.
Jair Bolsonaro não apresenta nenhuma credencial clássica para se viabilizar enquanto candidato a Presidente da República, tais como: experiência administrativa, liderança parlamentar, liderança partidária, atuação parlamentar como cabeça do congresso e atuação como tribuno com capacidade de argumentação e oratória em defesas de teses estratégicas para o país. Bolsonaro sempre foi um parlamentar representativo dos interesses de um segmento social específico. Tal estratégia política não é nenhum crime e é um direito que lhe pertence, contudo, isso não faz dele um futuro estadista.
Falta-lhe a consistência de quem passou a vida debatendo de maneira macro os problemas do Brasil. Falta-lhe o olhar estratégico de enxergar o Brasil como uma peça de um xadrez muito mais complexo que são as relações internacionais. Bolsonaro é um político provinciano e simplório, tudo o que não compete a alguém que venha a ter a ambição de ocupar o cargo de gestor de uma das maiores economias do planeta.
Como representante de um conjunto de ideias e práticas conservadoras Bolsonaro, como parlamentar, cumpre com mérito a representação de uma parcela da sociedade que comunga com suas ideias. Isso é a democracia, e as ideias de que discordamos devem ser combatidas no ringue da democracia.
Mas é preciso nos dar conta de que a democracia acontece, na prática, em camadas  e que o exercício de poder nos cargos públicos (no legislativo e no executivo) não funcionam sob a mesma lógica. Nesse caso, se Jair Bolsonaro tem cumprido de maneira satisfatória (aos olhos de seus eleitores) sua função como parlamentar, isso não faz dele um evidente presidenciável. Não estou querendo dizer que como cidadão brasileiro Bolsonaro não possa se candidatar a presidente, isso é um direito inalienável, o que quero debater aqui é o risco que teríamos de sua possível eleição.
Seu despreparo para o cargo é explicitado a cada entrevista. Suas falas se resumem a um repertório de lugares comuns e de afirmativas retóricas típicas de quem nunca imaginou estar vivenciando essa condição. A campanha para parlamentar no Brasil é muito pouco politizada e em quase nenhum momento o candidato é levado a debater grandes temas e defender ideias e projetos estratégicos. Essa foi a realidade de Bolsonaro nos último vinte anos, fazer política sem precisar usar dos atributos da política. O problema é que essa tática não cabe em uma campanha presidencial. É preciso oferecer muito mais ao eleitor e Bolsonaro, visivelmente, não tem nada mais a oferecer.
O que lhe resta é apenas apresentar-se como o apolítico. Construir sua campanha em torno de suas vontades pessoais tentando estabelecer com o eleitor apenas um mecanismo pueril de identificação de personalidade. Bolsonaro, como presidenciável, é apenas um sabonete que precisa convencer ao consumidor que seu cheiro é mais agradável do que o do concorrente. Tudo acaba se resumindo ao cheiro, pois lhe falta a capacidade de apresentar outros atributos mais consistentes que justifiquem sua compra.
Bolsonaro será aquele candidato cuja campanha se embasará quase que integralmente na construção da imagem via horário eleitoral e batalha nas redes sociais. Ele e seus seguidores evitarão, certamente, os espaços de conflitos reais, em que o candidato corra o risco de se mostrar nu.
Portanto, com Bolsonaro na corrida eleitoral, teremos um anticandidato em todas as suas plenitudes e possibilidades. Teremos um candidato que vai terceirizar a algum economista ou político mais experiente o debate sobre pontos estratégicos para o país e se restringir a fazer o papel de relações públicas de si mesmo, nada, além disso. A esperança é de que ao exercer seu direito constitucional de candidatar-se, Bolsonaro, em algum momento, terá que jogar o jogo da democracia. É justamente nesse momento que ele pode finalmente dizer a que veio. Cobrar dele que jogue o jogo e que se expunha ao debate de ideias deve ser uma obrigação não apenas dos que não votam nele, mas, principalmente, dos que antecipadamente o consideram o melhor candidato a governar o Brasil nos próximos quatro anos. Não me canso de afirmar a seguinte frase: “ O Brasil não é um país para amadores”. Entender isso faz uma enorme diferença em longo prazo.