sábado, 23 de junho de 2018

A doutrina Hillary: a gestação do argumento golpista ou: A doutrina americana para a derrubada de governos não alinhados

Vai ai um 2 em 1: a doutrina golpista dos EUA e porque eles tem medo do Lula...
José Vicente Rangel


A doutrina Hillary: a gestação do argumento golpista, por Vicente Rangel

Quando o movimento popular latinoamericano se encontrava acossado, perseguido com inaudita crueldade pelos agentes de poder da região; quando a divisão interna da esquerda esgotava sua capacidade para converter-se em opção e o domínio dos partidos tradicionais era absoluto, as eleições constituíam o desideratum da política democrática. A instituição do sufrágio era a alternativa e a recomendação que se dava a quem praticava formas de lutas distintas, devido ao esgotamento a que estavam submetidas. O caminho era a incorporação à via pacífica e eleitoral.

Em resumo, a mensagem que era enviada a partidos políticos, grupos de ação e dirigentes deste universo que se movia na linha insurrecional consistia na adoção do voto como saída. Pode-se dizer que a vanguarda do movimento popular aceitou a recomendação, mas não é assim. O que ocorreu foi que o povo adquiriu consciência, os dirigentes superaram o maniqueísmo e assumiram sem peso na consciência a luta pacífica e democrática, por meio do sufrágio. O tempo acabou resolvendo o dilema luta pacífica versus luta armada. A evolução da sociedade e a maturidade de uma direção que compreendeu a nova realidade. O resultado foi impressionante. O movimento popular saiu do labirinto de um debate infinito e de sucessivas derrotas e se conectou à realidade de cada nação, colocando assim toda sua capacidade de luta, sua criatividade e coragem na direção correta.

Os setores populares passaram, em uma virada espetacular, do simples reformismo a processos de mudança social profundos, desconcertando o inimigo tradicional. A partir de então, em menos de uma década, a região presenciou a chegada de organizações populares ao governo em numerosos países. Não foi um milagre, mas sim um fato histórico: foi a comprovação da justeza de uma linha política.

Em função da experiência acumulada durante uma década de derrotas, agora o inimigo ideológico e político se dá conta do erro em que incorreu quando sacralizou o sufrágio eleitoral e incentivou o movimento popular a desenvolver a luta de massas legalmente. E, obviamente, a reação não tardou. Os apologistas do processo eleitoral passaram a questioná-lo. Os argumentos que tiram da manga são de uma imoralidade que beira o ridículo. Dizem, por exemplo, que o que conta não são as eleições, mas sim a ação de governo; ou que o sufrágio contaminado de populismo é um engano (quando ganha a esquerda, é claro; não quando ganha a direita) e outras afirmações no mesmo estilo.

O que poderíamos definir como “doutrina desqualificadora da eleição” toma corpo em setores políticos, partidos, ONGs, elites intelectuais, grupos universitários, empresários, proprietários de meios de comunicação. Uma colunista venezuelana abordou o tema cruamente e afirmou: “É preciso entender que a democracia não é sobre eleições, mas sim sobre instituições”. E um prefeito envolvido em ações desestabilizadoras sentenciou: “Chávez usa a democracia para destruí-la”. Como estas há muitas outras expressões reveladoras do propósito de desqualificar o voto do povo, de questioná-lo, para atribuir-se o direito de julgar a democracia não por sua origem, mas sim pela opinião que os poderes fáticos, os grupos de pressão nacionais e transnacionais têm sobre ela. Ou seja, que a qualidade democrática e um governo dependeria de valorações de caráter subjetivo e seria alheia à origem do mesmo.

Por que o título deste artigo? Porque em reiteradas declarações a atual Secretária de Estado dos EUA manifesta esse ponto de vista. Em entrevista a um canal de TV venezuelano, sustentou que “a democracia não é só eleições”. Claro que não, mas a que se deve a ênfase nesta afirmação? Ela logo desenvolveu sua afirmação: é preciso privilegiar a avaliação da noção “governo” e dar-lhe prioridade em relação ao processo eleitoral. Na concepção que a senhora Hillary Clinton começa a manejar, desvaloriza-se – ou, caso alguém não goste do termo, minimiza-se – o que no passado foi fundamental: a decisão do povo expressa nas eleições; e, logo em seguida, se valoriza a pretensão de que o que define a democracia é a gestão de governo. Mas na teoria universalmente aceita é o voto popular que outorga legitimidade e constitui a origem da democracia, enquanto que o ato de governo é circunstancial e sempre polêmico, uma vez que é avaliado em função de critérios políticos, o que, normalmente, é feito por grupos de pressão nacionais e internacionais.

Mas esta consideração sobre a valoração de conceitos como eleição e governo, já não é teoria, mas sim prática, como acabamos de ver acontecer em Honduras. O governo de Zelaya era (é) um governo legítimo, constitucional, produto do voto dos hondurenhos. Mas a concepção de que a origem, o voto, é relativo e o que conta é a conseqüência, o governo, abriu as portas aos golpistas militares e civis de Tegucigalpa no dia 28 de junho. Todos os preconceitos que a sociedade civil acumulou durante décadas contra a proeminência militar e a rejeição ao golpe de Estado, viraram fumaça quase que imediatamente. Aqueles que trabalham para golpes militares contra governos eleitos popularmente, sentem-se tacitamente apoiados. Na Venezuela, por exemplo, vemos aqueles que questionam o apoio dos militares a um regime constitucional, resultado de uma eleição, apoiando descaradamente os militares que derrubaram Zelaya. Por enquanto o governo Obama-Hillary equilibra-se na corda bamba das pressões e faz concessões à ultra-direita mundial quando alimenta uma inefável iniciativa que golpeou a instituição do sufrágio como fonte de poder. O que equivale retornar ao tenebroso passado golpista.

José Vicente Rangel é ex-vice presidente da Venezuela e ex-chanceler do governo Hugo Chávez.

Tradução: Katarina Peixoto
https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/A-doutrina-Hillary-a-gestacao-do-argumento-golpista/6/15269

Por que eles têm medo do Lula?

por Emir Sader em 17/09/2012



Emir Sader
Lula virou o diabo para a direita brasileira, comandada por seu partido – a mídia privada. Pelo que ele representa e por tê-los derrotado três vezes sucessivas nas eleições presidenciais, por se manter como o maior líder popular do Brasil, apesar dos ataques e manipulações de todo tipo que os donos da mídia – que não foram eleitos por ninguém para querer falar em nome do país – não param de maquinar contra ele.

Primeiro, ele causou medo quando surgiu como líder operário, que trazia para a luta política aos trabalhadores, reprimidos e super-explorados pela ditadura durante mais de uma década e o pânico que isso causava em um empresariado já acostumado ao arrocho salarial e à intervenção nos sindicatos.


Medo de que essa política que alimentava os superlucros das grandes empresas privadas nacionais e estrangeiras – o santo do chamado “milagre econômico” -, terminasse e, com ela, a possibilidade de seguirem lucrando tanto às custas da super-exploração dos trabalhadores.

Medo também de que isso tirasse as bases de sustentação da ditadura – além das outras bases, as baionetas e o terror – e eles tivessem que voltar às situações de incerteza relativa dos regimes eleitorais.

Medo que foi se acalmando conforme, na transição do fim do seu regime de ditadura militar para o restabelecimento da democracia liberal, triunfavam os conservadores. Derrotada a campanha das diretas, o Colégio Eleitoral consagrou um novo pacto de elite no Brasil, em que se misturavam o velho e o novo, promiscuamente na aliança PMDB-PFL, para dar nascimento a uma democracia que não estendia a democracia às profundas estruturas econômicas, sociais e midiáticas do país.

Sempre havia o medo de que Lula catalizasse os descontentamentos que não deixaram de existir com o fim da ditadura, porque a questão social continuava a arder no país mais desigual do continente mais desigual do mundo. Mas os processos eleitorais pareciam permitir que as elites tradicionais retomassem o controle da vida política brasileira.

Aí veio o novo medo, que chegou a pânico, quando Lula chegou ao segundo turno contra o seu novo queridinho, Collor, o filhote da ditadura. E foi necessário usar todo o peso da manipulação midiática para evitar que a força popular levasse Lula à presidencia do Brasil, da ameaça de debandada geral dos empresários se Lula ganhasse, à edição forjada de debate, para tentar evitar a vitória popular.

O fracasso do Collor levou a que Roberto Marinho confessasse que eles já não elegeriam um presidente deles, teriam que buscar alguém no outro campo, para fazê-lo seu representante. Se tratava de usar de tudo para evitar que o Lula ganhasse. Foram buscar ao FHC, que se prestou a esse papel e parecia se erigir em antidoto permanente contra o Lula, a quem derrotou duas vezes.

Como, porém, não conseguem resolver os problemas do país, mas apenas adiá-los – como fizeram com o Plano Real -, o fantasma voltou, com o governo FHC também fracassando. Tentaram alternativas – Roseana Sarney, Ciro Gomes, Serra -, mas não houve jeito.

Trataram de criar o pânico sobre a possibilidade da vitória do Lula, com ataque especulativo, com a transformação do chamado “risco Brasil” para “risco Lula”, mas não houve jeito.

Alivio, quando acreditaram que a postura moderada do Lula ao assumir a presidência significaria sua rendição à politica econômica de FHC, ao “pensamento único”, ao Consenso de Washington. Por um lado, saudavam essa postura do Lula, por outro incentivavam os setores que denunciavam uma “traição” do Lula, para buscar enfraquecer sua liderança popular. No fundo acreditavam que Lula demoraria pouco no governo, capitularia e perderia liderança popular ou colocaria suas propostas em prática e o país se tornaria ingovernável.

Quando se deram conta que Lula se consolidava, tentaram o golpe em 2005, valendo-se de acusações multiplicadas pela maior operação de marketing político que o pais ja conheceu – desde a ofensiva contra o Getúlio, em 1954 -, buscando derrubar o Lula e sepultar por muito tempo a possibilidade de um governo de esquerda no Brasil. Colocavam em prática o que um ministro da ditadura tinha dito: Um dia o PT vai ganhar, vai fracassar e aí vamos poder governar o país sem pressão.”

Chegaram a cogitar um impeachment, mas tiveram medo do Lula, da sua capacidade de mobilização popular contra eles. Recuaram e adotaram a tática de sangrar o governo, cercando-o no Parlamento e através da mídia, até que, inviabilizado, fosse derrotado nas eleições de 2006.

Fracassaram uma vez mais, quando o Lula convocou as mobilizações populares contra os esquemas golpistas, ao mesmo tempo que a centralidade das políticas sociais – eixo do governo Lula, que a direita não enxergava, ou subestimava e tratava de esconder – começava a dar seus frutos. Como resultado, Lula triunfou na eleições de 2006, ao contrário do que a direita programava, impondo uma nova derrota grave às elites tradicionais.

O medo passou a ser que o Brasil mudasse muito, tirando suas bases de apoio tradicionais – a começar por seus feudos políticos no nordeste -, permitindo que o Lula elegesse sua sucessora. Se refugiaram no “favoritismo” do Serra nas pesquisas – confiando, uma vez mais, na certeza do Ibope de que o Lula não elegeria sua sucessora.

Foram de novo derrotados. Acumulam derrota atrás de derrota e identificam no Lula seu grande inimigo. Ainda mais que nos últimos anos do seu segundo mandato e na campanha eleitoral, Lula identificou e apontou claramente o papel das elites tradicionais, com afirmações como a de que ele demonstrou “que se pode governar o Brasil, sem almoçar e jantar com os donos de jornal”. Quando disse que “não haverá democracia no Brasil, enquanto os políticos tiverem medo da mídia”, entre outras afirmações.

Quando, depois de seminário que trouxe experiências de regulações democráticas da mídia em varias partes insuspeitas do mundo, elaborou uma proposta de lei de marco regulatório para a mídia, que democratize a formação da opinião pública, tirando o monopólio do restrito número de famílias e empresas que controlam o setor de forma antidemocrática.

Além de tudo, Lula representa para eles o sucesso de um presidente que se tornou o líder político mais popular da história do Brasil, não proveniente dos setores tradicionais, mas um operário proveniente do nordeste, que se tornou líder sindical de base desafiando a ditadura, que perdeu um dedo na máquina – trazendo no próprio corpo inscrita a sua origem e as condições de trabalho dos operários brasileiros.

Enquanto o queridinho da direita partidária e midiática brasileira, FHC, fracassou, Lula teve êxito em todos os campos – econômico, social, cultural, de políticas internacional -, elevando a auto-estima dos brasileiros e do povo brasileiro. Lula resgatou o papel do Estado – reduzido à sua mínima expressão com Collor e FHC – para um instrumento de indução do crescimento econômico e de garantia das políticas sociais. Derrotou a proposta norteamericana da Alca – fazer a América Latina uma imensa área de livre comércio, subordinada ao interesses dos EUA -, para priorizar os projetos de integração regional e os intercâmbios com o Sul do mundo.

Lula passou a representar o Brasil, a América Latina e o Sul do mundo, na luta contra a fome, contra a guerra, contra o monopólio de poder das nações centrais do sistema. Lula mostrou que é possível diminuir a desigualdade e a pobreza, terminar com a miséria no Brasil, ao contrário do que era dito e feito pelos governos tradicionais.

Lula saiu do governo com praticamente toda a mídia tradicional contra ele, mas com mais de 80% de apoio e apenas 3% de rejeição. Elegeu sua sucessora contra o “favoritismo” do candidato da direita.

Aí acreditaram que poderiam neutralizá-lo, elogiando a Dilma como contraponto a ele, até que se rendem que não conseguem promover conflitos entre eles. Temem o retorno do Lula como presidente, mas principalmente o temem como líder político, como quem melhor vocaliza os grandes temas nacionais, apontando para a direita como obstáculo para a democratização do Brasil.

Lula representa a esquerda realmente existente no Brasil, com liderança nacional, latino-americana e mundial. Lula representa o resgate da questão social no Brasil, promovendo o acesso a bens fundamentais da maioria da população, incorporando definitivamente os pobres e o mercado interno de consumo popular à vida do país.

Lula representa o líder que não foi cooptado pela direita, pela mídia, pelas nações imperiais. Por tudo isso, eles tem medo do Lula. Por tudo isso querem tentam desgastar sua imagem. Por isso 80% das referências ao Lula na mídia são negativas. Mas 69,8% dos brasileiros dizem que gostariam que ele volte a ser presidente do Brasil. Por isso eles tem tanto medo do Lula.