sábado, 6 de outubro de 2018

A Shell e a corrupção na Nigéria

Em artigo para o portal da FUP, o cientista político e economista, William Nozaki, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, chama a atenção para o escandaloso processo de corrupção envolvendo a Shell nos negócios de exploração e produção de petróleo na Nigéria, cujas cifras são equivalentes aos valores investigados pela operação Lava Jato.  "A Shell é uma das mais importantes sócias da Petrobrás na exploração do pré-sal e o escândalo de corrupção da Nigéria mobiliza montantes comparáveis aos estimados pela Operação Lava Jato no Brasil, além disso o caso nigeriano envolve políticos do primeiro escalão e o próprio presidente da República, nesse sentido tem uma intensidade mais forte até do que o caso brasileiro, entretanto, a gestão da Petrobrás tão ciosa de criticar a corrupção no Brasil parece não se preocupar em se associar e em entregar as reservas do pré-sal para uma Shell submersa em corrupção", destaca Nozaki, que é um dos integrantes do Grupo de Estudos Estrategicos e Propostas (GEEP) da FUP, que vem debatendo perspectivas para a indústria petrolífera brasileira e a construção de alternativas para que o setor volte a ser preponderante para o desenvolvimento do país.
Leia a íntegra do artigo:
A Shell e a corrupção na Nigéria
William Nozaki*
A atual gestão da Petrobrás tem promovido o desmonte e a descapitalização da empresa muitas vezes utilizando como justificativa para a opinião pública a necessidade de sanear uma companhia impactada frontalmente pela corrupção investigada pela Operação Lava Jato. O curioso é que a suposta preocupação com a ética e a lisura parece evaporar quando se trata de problematizar outros casos de corrupção no setor.
Como se sabe, em 2015 a Shell protagonizou a maior fusão do setor de petróleo na última década ao comprar sua rival de menor porte BG Group. A BG era então a principal parceira da Petrobrás no campo de Lula, principal produtor do pré-sal da Bacia de Campos, detendo cerca de 25% do negócio. Além disso, a companhia britânica também era parceira da estatal brasileira em outras áreas relevantes como Sapinhoá, Lapa e Iara. O campo de Lula foi originado da descoberta de Tupi, a mais relevante do pré-sal anunciada pela Petrobrás nos últimos anos, na época com volumes recuperáveis de 5 a 8 bilhões de barris.
A própria Shell, a propósito, já era sócia da Petrobrás com 20% da área de Libra, no pré-sal da Bacia de Santos, a maior jazida do país, que pode conter cerca de 8 a 12 bilhões de barris de petróleo de reservas recuperáveis, com óleo de bastante qualidade e em crescimento. 
Em suma, a Shell comprou a BG com o objetivo de avançar na exploração e na produção a partir da camada do pré-sal brasileiro, mais ainda: a empresa anglo-holandesa foi uma das responsáveis por pressionar a Petrobrás para que ela deixasse de ser a operadora única do pré-sal e foi uma das primeiras empresas a saudar a flexibilização da política de conteúdo local.
Pois bem, após entrar para a mira de investigadores com acusações de pagamentos de propinas na Nigéria, a Shell voltou a ser investigada por esquema envolvendo bilhões para a obtenção de um campo de petróleo no país, em troca de repasses que teriam favorecido políticos e, inclusive, o ex-presidente nigeriano Goodluck Jonathan.
Ainda em 2010, a Shell já havia sido multada em US$30 milhões por pagamentos a uma companhia que depois se transformaram em subornos a funcionários nigerianos, em esquema de lavagem de dinheiro. Aquela época, a empresa mantinha o discurso de se declarar inocente. A partir de então, o Departamento de Justiça dos Estados passou a mirar a empresa, em cooperação com a polícia anti-corrupção da Nigéria, que chegou a interrogar o então diretor-geral da Shell no país, Mutiu Sunmonu.
A investigação tratava de uma suspeita de suborno, envolvendo US$ 180 milhões junto a Companhia Nigeriana de Gás Natural Liquefeito e a empresa Halliburton, que antes era associada à KBR. Esta última chegou a admitir o pagamento do montante, em 2009, a funcionários nigerianos.
Agora, um novo caso é trazido à tona. Uma investigação dá conta que altos executivos da Shell tinham conhecimento de um pagamento feito por meio de lavagem de dinheiro ao governo nigeriano por interesses em um grande campo de petróleo, o OPL 245.
A nova negociação teria se dado em meio ao processo em tramitação ocorrido há mais de sete anos. A empresa, ativa no país por cerca de 60 anos, estava interessada na obtenção de contratos do campo petrolífero, cujas estimativas de nove bilhões de barris de petróleo gerariam cerca de meio trilhão de dólares à empresa.
Entretanto, o campo estava sob a propriedade do empresário Dan Etete, ex-ministro do petróleo da Nigéria, que posteriormente foi condenado por lavagem de dinheiro em outro caso. Em 2011, a Shell conseguiu adquirir a OPL 245, juntamente com a companhia italiana de petróleo ENI, em uma transação de US$ 1,3 bilhão ao governo. Segunda a imprensa, a quantia é mais do que todo o orçamento de saúde no país, além disso o montante obtido com a negociação não foi usado em serviços públicos. Deste total, US$ 1 bilhão foi repassado a uma empresa de Dan Etete, chamada Malabu. Também há fortes indícios de que parte dos recursos foi repassada ao ex-presidente Goodluck Jonathan.
Investigadores italianos acreditam, ainda, que pelo menos US$ 466 milhões de dólares foram lavados através de uma rede de casas de câmbio nigerianas, para facilitar os pagamentos ao então presidente Jonathan e outros políticos,
A Nigéria apresentou acusações criminais contra as multinacionais petrolíferas Shell e ENI. As acusações apresentadas na Suprema Corte da capital nigeriana, Abuja, sustentam que as empresas pagaram US$ 801 milhões ao ex-ministro do Petróleo Dan Etete, ao ex-ministro de Justiça Mohammed Bello Adoke e ao empresário Aliyu Abubakar pela licença de exploração.
O governo nigeriano teria recebido apenas US$ 210 milhões no negócio. A documentação apresentada na Suprema Corte acusa a subsidiária nigeriana da Shell e seu ex-diretor Ralph Wetzels, a ENI e sua subsidiária nigeriana Agip e os diretores Roberto Casula, Stefano Pujatti e Sebastiano Burrafato. Também é acusada a Malabu Oil, companhia estabelecida secretamente por Etete que ganhou a concessão do bloco quando ele era ministro do Petróleo.
As acusações foram apresentadas pela Comissão de Crimes Econômicos e Financeiros da Nigéria, que em janeiro ganhou na Justiça uma decisão para que o controle do bloco petrolífero fosse devolvido ao governo local. Adoke é acusado pela comissão também de lavagem de dinheiro, pois teria recebido mais US$ 2,2 milhões em 2013 por ajudar no negócio.
A Shell e a ENI pagaram US$ 1,3 bilhão em uma conta nigeriana em uma agência em Londres do JPMorgan Chase, em 2011. Adoke, então ministro da Justiça e procurador-geral, autorizou a operação. O caso gerou investigações nos Estados Unidos, na Itália, França, Suíça e Holanda. Promotores italianos pediram no mês passado que a ENI, a Shell, o executivo-chefe da Eni, Claudio Descalzi, e mais dez pessoas sejam julgadas por corrupção.
A Shell é uma das mais importantes sócias da Petrobrás na exploração do pré-sal e o escândalo de corrupção da Nigéria mobiliza montantes comparáveis aos estimados pela Operação Lava Jato no Brasil, além disso o caso nigeriano envolve políticos do primeiro escalão e o próprio presidente da República, nesse sentido tem uma intensidade mais forte até do que o caso brasileiro, entretanto, a gestão da Petrobrás tão ciosa de criticar a corrupção no Brasil parece não se preocupar em se associar e em entregar as reservas do pré-sal para uma Shell submersa em corrupção.
*William Nozaki é cientista político, economista, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, membro do Grupo de Estudos Estrategicos e Propostas (GEEP) da FUP
Assim como o Brasil, a Nigéria era um pais que ousou erguer a cabeça:


Terrorismo do Boko Haram e a crise econômica oprimem a Nigéria 

O gigante africano elege seu presidente sob medidas extremas de segurança



Há um ano, a Nigéria estreava como primeira potência econômica da África. No entanto, nem sequer a euforia de superar a África do Sul no ranking continental pôde adoçar o amargo sabor da difícil situação na qual se encontra mergulhado este gigante: país mais populoso da África (cerca de 175 milhões de habitantes) e primeiro produtor de petróleo, mas ao mesmo tempo ameaçado pela violência terrorista do Boko Haram no nordeste, corroído por uma insuportável corrupção e em plena queda livre econômica pelo descenso dos preços do petróleo, o que piorou ainda mais as condições de vida dos nigerianos. Por tudo isso, a eleição presidencial que aconteceu neste fim de semana, a mais apertada na história de sua jovem democracia entre dois candidatos muito diferentes, foi vivida com uma enorme tensão e sob condições de segurança extremas. O perigo da violência partidária é real.
Criada há 13 anos, a seita Boko Haram (que significa a educação ocidental é pecado) se tornou algo mais do que uma ameaça. Nos últimos anos, os radicais liderados por Abubakar Shekau conseguiram tomar o controle de uma ampla zona de limites difusos no nordeste do país onde tinham proclamado um califado independente, inclusive fazendo incursões aos países vizinhos. Apenas a criação, no mês de fevereiro último, de uma força multinacional com a destacada participação do Chade, Níger e Camarões abriu o caminho para que o exército nigeriano conseguisse recuperar cerca de trinta cidades.
No entanto, o problema que mais preocupa os nigerianos está relacionado com a economia. A queda dos preços do petróleo, que responde por 70% dos ingressos do Governo e por 35% do PIB, fez com que a Nigéria entrasse na via do decrescimento. Dois em cada três nigerianos vivem abaixo do nível de pobreza e o desemprego é galopante e estrutural em muitas regiões, sobretudo no norte empobrecido. Se, além disso, somarmos a enorme extensão da corrupção, que em 2013 chegou a seu auge com a malversação de 53 bilhões de reais procedentes do petróleo, um caso denunciado pelo próprio governador do Banco Central da Nigéria, entende-se a frustração de uma boa parte da população.
Nesta situação, são dois os candidatos com opções reais de alcançar a presidência e há uma situação de empate técnico. Por um lado está o atual presidente, Goodluck Jonathan, cristão procedente do sul, que teve cinco anos para mostrar sua incapacidade na hora de resolver estes desafios, mas que conta com o respaldo do partido com melhor implantação no país, o Partido Democrático do Povo (PDP). O escândalo do pomposo casamento de sua filha com distribuição de iPhones aos convidado acabou por minar uma imagem pública já desgastada por sua falta de carisma. Jonathan prometeu acabar com o Boko Haram em abril, aprofundar a diversificação econômica para reduzir sua dependência do petróleo e criar dois milhões de postos de trabalho por ano.
Contra ele, o ex-general Muhamadu Buhari, muçulmano e do norte, se apresenta como um candidato mais agressivo. Também anunciou que acabará com o Boko Haram em poucos meses, que vai corrigir o rumo da economia e liquidar de uma vez com a corrupção. “Se não acabarmos com ela, ela vai acabar com a Nigéria”, chegou a dizer. Seu aval é o tempo (um ano e oito meses) em que esteve à frente do Governo no começo dos anos 80, depois de protagonizar um golpe de Estado. Na época, ficou famoso por sua austeridade e sua intolerância ao mau governo.
No entanto, talvez o desafio mais importante das eleições realizadas neste fim de semana é que não terminem degenerando em violência entre partidários dos dois candidatos, tal como ocorreu em 2011 com um resultado de 800 mortos. No sábado já surgiram enormes problemas com os títulos eleitorais e o novo sistema de identificação biométrico, o que obrigou a suspender as eleições em 300 colégios e retomar no dia seguinte. Este fato provocou algo insólito, pois começaram a aparecer resultados em alguns estados enquanto em outros ainda havia votação. Inclusive antes do fechamento das urnas neste domingo, o partido opositor anunciou que as votações no Estado petroleiro de Rivers tinham sido “uma farsa”, palavras que não pressagiam coisas boas.